“A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível na inteligência e na sensibilidade dos que o leêm, o impacto da obra de arte.”
André Bazin
A exposição “S.O.M” [Série Obras Musicais] atualmente no Centro Cultural CEEE, apresenta um dueto incomum entre Marcos Monteiro, fotógrafo, e Pena Cabreira, pintor, e tem a qualidade referida por Matisse no seu livro “Notes d´un peintre” [1908] de que uma obra de arte deve trazer em si própria a sua significância e impô-la sobre o observador antes mesmo que ele consiga identificar o tema.
Tal se sucede nesta exposição de maneira exitosa onde as imagens na verdade não se movem: elas apenas sucedem uma a outra. Mas a exposição se “movimenta”. E o que chamo de “movimento” é de fato, a presença em geral, de dois caminhos paralelos: o que o corpo faz e o que a mente constrói.
Ao percorrê-la, a memória nos remete a lugares distantes, onde ouvimos as trilhas musicais que nos habitam, assim como os romances nos transportam através de cidades invocadas pela mágica da palavra do escritor. E assim ao longo do olhar sobre as obras vamos construindo um imenso mundo de evocações e recordações e todas as cidades que nos recordamos, formando os ambientes sensoriais que chamamos mente.
A exposição apresenta um nítido pensamento que busca a consciência da ruptura e a maturidade da história, que só encontramos em artistas que se encontram no limite extremo de contato com a modernidade.
Como uma conversa musical que se dá no plano pictórico, os dois artistas afirmam a beleza do diálogo e sem falas, buscamos o grande idioma esquecido na porta do Paraíso.
Saudemos o que é essencial: o ato estético, a vibração, a emoção quase física que surge sempre que há esse diálogo.
O trabalho de Marcos Monteiro é uma fotografia que se dedica a capturar e reimaginar a música de modo que a noção de escala e direção se perca potencializando-se assim uma maior e profunda reflexão sobre cada obra. As imagens expostas isolam fragmentos de instrumentos musicais, na sua maioria, enquadrando superfícies de modo que pareçam de alguma forma desconstruir-se em duas dimensões. E o resultado mais extraordinário do seu trabalho é nos dar a sensação de que podemos reter o mundo inteiro, no jardim do nosso imaginário em nossa cabeça, como uma antologia de imagens.
A “explicitude” de uma imagem muitas vezes se coloca como dominadora da relação obra/espectador diminuindo assim as possibilidades do imaginário do observador, portanto as imagens mais ”indiretas” de Marcos Monteiro possuem um caráter de força e expressividade em relação mais “diretas” e objetivas no seu significado. As suas imagens, que contemplam reflexos,sombras, etc, têm uma habilidade especial de devolver a tangibilidade, a textura, o brilho, a solidez daquilo que ela descreve.Um enorme poder de ilusionismo, pois é capaz de sugerir objetos que possuam cor, textura e temperatura, ao preencher um espaço e, em decorrência , o mundo todo.
No desenho e da pintura, temos sempre uma imensa curiosidade para se conhecer o tempo da feitura de uma imagem, pois como medir, nesses casos, se sua consecução foi lenta ou rápida? Quantas interrupções e retomadas, quantos retoques foram exigidos para sua realização? Fica mais fácil conceber o tempo da consecução quando o artista deixa, inclusive com datas, esboços, rascunhos e correções, numa verdadeira exposição do tempo envolvido no processo de criação da imagem, como é o caso da fascinante exposição de Pena Cabreira.
Mas não é o tempo que pode ser medido, apenas inferido através do exame minucioso das marcas e dos traços mas a construção emocional que vai se inscrevendo no decorrer do processo de produção de um imagem artística artesanal.
Ao reunir além da pintura, um pouco da sua observação com desenhos rápidos e instantâneos, mostra a capacidade do artista de se expressar com a emoção do primeiro gesto. Acho admirável esta sua capacidade e vejo um enorme impacto sensorial no seu trabalho o que chamo de o “Tempo do Gesto”. Uma realidade que ele retrata não visível, num contínuo e fugidio momento.
Pintura e Música na obra de Pena Cabreira, se somam em uma espécie de processo de corte e montagem cinematográfica, que o artista tão bem conhece, jogando o espectador em ritmos perceptivos evocados e manipulados que o posicionam como um voyeur, assim fazendo-o se sentir seguro em seu posto privilegiado de observação, ainda que surpreendentemente exposto à surpresa e a fantasia do fluxo perceptivo das figuras solitárias representadas.
Assim como o sabor de uma pitanga está no contato dela com o nosso palato e não na fruta em si, a Arte destes artistas está no encontro da imagem com o espectador, e não nas linhas e manchas encontradas sobre o suporte da tela ou papel.
Ver precede as palavras. A criança olha e reconhece, antes mesmo de falar.
A exposição nos mostra que a natureza da reciprocidade da visão é mais fundamental do que a do diálogo falado.
Portanto, viva a vitória do verdadeiro diálogo!
A Arte de Marcos Monteiro e Pena Cabreira é uma sólida imagem do processo que já chegou ao fim, da culminância de um processo bem sucedido; uma representação,ainda que fugaz, da posse da verdade absoluta (apenas na forma de uma imagem), que desimpede, de maneira fundamental, o longo – na verdade, talvez interminável- caminho da história.
Serviço:
Exposição: S.O.M – Série Obras Musicais
Local: Centro Cultural CEEE
Fotografias de Marcos Monteiro [20 fotos com tamanhos de 60x40 cm]
Pinturas de Pena Cabreira [15 telas de 90x 55cm e 01 tela de 150x 90 cm]
Por Paulo Leônidas de Porto Alegre