Literatura | Poesia | Daniela Delias
Daniela Delias
Alçapão
o homem desce agora
à casa de um deus torto
seus ossos quebram os átomos
seus pés lambem o escuro
lá vai o homem
a caminho da casa
do deus subterrâneo
- asa, ele diz, é armadilha.
***
A carne
prender-me a um nome, uma ideia
deixar que arranque lentamente meus pelos
sujar as mãos, cravar os dentes
morrer de amor, morrer de amor
arranhar-me, condescendente
como se condenada à roseira
e olhando nos olhos de Chronos
entregar a pedra, não o filho
mas ainda assim
diante da carne clara da que fui
morrer um pouco
***
Sonho
ele anda sobre meu sonho
com a força de mil homens
e molha os meus olhos
quando me tem
a marchar entre as pedras
à margem do esquecimento
repara: ele agora
é o mar de meu sonho
e quando se põe
a dizer meu segredo
é água que me bate à nuca
***
Curva
e se em vez de arranhar o espelho
eu pusesse a mão sobre a nuca
e ante a curva do meu ombro esquerdo
o amor escorresse lentamente?
e se em vez de partir
mil flores de nada
mil versos de quando
mil cacos em tudo
teus dedos pudessem
toda sombra todo muro
toda estrada todo monte
empurraríamos a pedra?
***
Canteiro
no vão que faz o vestido
quando afunda entre as pernas
pus as pequenas pedras
e agora invento uma cidade
que pode uma mulher
quando arquiteta um templo
sem que lhe dobre o punho
sem que lhe pese o colo
sem que se parta em muitas?
as menores coisas
dei de mover uma a uma
Daniela Delias nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul. É autora de "Boneca Russa em Casa de Silêncios" (Patuá, 2012) e "Nunca Estivemos em Ítaca" (Patuá, 2015), ambos de poesia.
Tem poemas publicados no Livro da Tribo, em revistas literárias e nos blogs de poesia "Sombra, Silêncio ou Espuma" (http://danieladelias.blogspot.com.br/) e "Alice e os dias" (http://deliasdaniela.blogspot.com.br/).
É também psicóloga e professora universitária. Mora na Praia do Cassino, em Rio Grande, extremo sul do país.